quarta-feira, 8 de julho de 2009




Pequeno ensaio sobre a livro: O Continente I, da obra O Tempo e o Vento de Érico Verissimo.
O olhar das mulheres e o sentimento dos homens perante as guerras no livro O Continente I
Érico Verissimo para dar corpo em sua obra o Tempo e o Vento utiliza-se de fatos históricos da formação do estado do Rio Grande do Sul. Por ser um território fronteiriço, a saga do povo gaúcho é marcada por várias guerras, sejam elas na defesa de suas propriedades, sejam elas de caráter econômico-políticos.
A segmentação em dois pólos acompanha, desde o início, a formação cultural desse povo. Portugueses/Espanhóis, Pica-pau/Maragato, mais recentemente, Grêmio/Inter, Os Terra/Os Cambarás, e, seguindo essa linha o autor vai tecendo sua trama dramática envolvendo o leitor e o próprio escritor.
O homem gaúcho, com seu estereótipo de macho, guerreiro, é incorporado pela personagem do capitão Rodrigo, talvez um "rebelde sem causa". Para ele, estar em combate significava estar na sua plenitude, em comunhão com a vida. Não percebemos durante a obra que Rodrigo lutasse por ideais políticos, para ele a guerra era sinônimo de sua virilidade, liberdade para trotear pelos campos, sem compromissos ou responsabilidades com a vida cotidiana, como demonstra o framaneto abaixo numa conversa entre Rodrigo e Juvenal:
"Mas a independência veio e o Rio Grande aceitou logo a situação. Foi pena. Eu tinha muito portugues marcado..." (O Continente I, pg. 217)
Na contramão de Rodrigo, a personagem que o antecede no romance, Ana Terra, demonstra todo seu desprezo pela guerra e suas consequências no núcleo familiar.
Fazendo uma análise dessa personagem, pode-se observar que alguns traços de sua personalidade não fogem da idealização do povo gaúcho, ou seja, valente, guerreira.
Sua visão sobre a guerra é sempre de algo que consome a vida, destrói a família e aproxima a morte de seu cotidiano, sem demonstrar objetivo, finalidade ou trazer soluções práticas e efetivas para o bem estar do povo.
A família é o núnleo central de uma sociedade e, para a persongem Ana Terra, é o núcleo central da vida. Seus sacrifícios sempre estão na preservação desse centro de interesse.
Seu filho, Pedro, é algo que aproxima a vida de uma esperança no futuro. Os seguimentos abaixo, demonstram o sentimento de Ana Terra com relação à guerra, quando seu filho Pedro foi convocado:
"...Ana Terra sacudiu a cabeça lentamente, mas sem compreender. Para que tanto campo? Para que tanta guerra? Os homens se matavam e os campos ficavam desertos. Os meninos cresciam, faziam-se homens e iam para outras guerras. Os estanceiros aumentavam as suas estâncias. As mulheres continuavam esperando. Os soldados morriam ou ficavam aleijados. Voltou a cabeça na direção dos Sete Povos, e seu olhar perdeu-se, vago, sobre as coxilhas". (O Continente I, pg. 181)
Ainda sobre a convocação de Pedro para aguerra, abaixo fragmento demonstrando o sentimento de Ana Terra, em uma conversa com o Coronel Amaral:
"Ana Terra sentiu uma revolta crescer-lhe no peito. Teve ganos de dizer que não tinha criado o filho para morrer na guerra nem para ficar aleijado brigando com os castelhanos. Guerra era bom para homens como o Coronel Amaral e outros figurões que ganhavam como recompensa de seus serviços medalhas e terra, ao passo que os pobres soldados às vezes nem soldo recebiam"> (O Continente I, pg. 179)
Ana Terra demonstra através de seus pensamentos e atitudes toda sua repulsa em relação as guerras intermináveis que não traziam benefícios, somente dor e perda para a população do vilarejo.
Retornando ao ponto principal desse ensaio, na qual mencionei a questão centrada entre dois pólos, Regina Zilberman, no Livro "O Tempo e o Vento - história, invenção e metamorfose", retoma essa idéia de dicotomia, corporificada entre os elementos do Punhal e da Tesoura.
Novamente podemos perceber, através da representatividade desses instrumentos, o sentimento de homens e mulheres perante as guerras, a morte, a vida.
O Punhal, carregado pela personagem Pedro Missioneiro, representa um símbolo capaz de tirar uma vida, causar a morte.
A Tesoura, que acompanha a personagem Ana Terra, representa o oposto, ou seja, um símbolo capaz de trazer ao mundo uma nova vida.
Ainda sobre a polaridade, o próprio autor, ao batizar sua obra sob o título de "O Tempo e o Vento", também traz a idéia de o Tempo é o que passa, o Vento é o que fica.
O romance traz a palco uma série de conflitos internos e externos travados na região sul, quando os Sete Povos das Missões estão sendo ameaçados pela execução do Tratado de Madri. Na sequência ocorre a revolução Federalista, na qual o Rio grande separa-se em dois blocos: os seguidores de Júlio de Castilhos, líder republicano e os seguidores de Gaspar Silveira Martins, líder Federalista. Ao mesmo tempo traça a história da formação da família Terra-Cambará.
A perspectiva na qual a guerra é observada e sentida, não é somente sob o ponto de vista de quem nelas lutam, mas sim de todos os que sofrem com ela.
As mulheres que ficam em suas terras como guardiãs do núcleo familiar, deixam claro seu ponto de vista a respeito do assunto, conforme ilustramos na fala da personagem Maria Valéria, na primeira parte do livro (O Sobrado I):
"Ter filhos é que é negócio de mulher, eu sei - continua Maria Valéria. Criar filhos é negócio de mulher. Cuidar da casa é negócio de mulher. Pois fique sabendo que esta revolução também é negócio de mulher. Nós também estamos defendendo o Sobrado. Alguma de nós já se queixou? Alguma já lhe disse que passa o dia com dor no estômago, como quem comeu pedra e pedra salgada? Alguma já lhe pediu pra entregar o Sobrado? Não. Não pediu. Elas também estão na guerra" (O Continente I, pg. 32)
Finalizando, diante de tantas guerras que são descritas no livro O Continente I, podemos nos questionar sobre o teor belicista da obra. As constantes batalhas que ocorrem durante os capítulos são o suficiente para que tenhamos uma visão bélica sobre a mesma?
A resposta a essa pergunta é não. Entendo que as guerras servem de "pano de fundo" para o desenrolar e dar verosimilhança ao romance. As tramas, os desgostos, as decepções, tristezas, alegrias, amores e desamores, baseiam-se na atitude dos personagens diante as situações do cotidiano. A obra pode trazer, muito mais que uma visão bélica, uma visão da sociedade, da construção de uma identidade.
Desenvolvido por Paulo Christofoli para apreciação da professora Luciana Coronel, titular da disciplina de Literatura Sul-Riograndense do IPA.

Um comentário:

  1. Amei este ensaio!!!
    Saudades das nossas aulas de literatura. Profes maravilhosas!!!

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